Teologia

Página atualizada em 20/10/2002

Ensina a teu filho

Está tocando a música "Ninguém te ama como eu" e é uma das músicas que mais gosto, ajuste o volume.

Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que ele deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juízes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juízes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável.

Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros como Antônio Pinheiro, pai do jornalista Chico Pinheiro, que revelou na mídia seu contracheque de parlamentar e devolveu aos cofres públicos jetons de procedência duvidosa.

Saiba o teu filho que, no monolito preto do Banco Central, em Brasília, onde trabalham cerca de 3 mil pessoas, a maioria é honrada e, porque não é cega, indignada ante maracutaias de autoridades que deveriam primar pela ética no cargo que lhes foi confiado.

Ensina a teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não se compra nem é um troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer.

Ensina a teu filho que o Brasil possui dimensões continentais e as mais férteis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou, mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara que regada com muito pouco sangue.

Saiba o teu filho que os sem-terra que ocupam áreas ociosas e prédios públicos são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.

Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários.

Ensina a teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa. Milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de sua vida no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.

Ensina teu filho a evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que nos tenta incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética.

Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e frei Caneca, de madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, dom Hélder Câmara e Chico Mendes.

Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz se se unir àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.

Ensina teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem e, se a maioria tiver a mesma reação, será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.

Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor.

Cultiva nele os desejos do espírito.

Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.

© Frei Betto
Jornal OESP em 04/07/2002

Meus comentários

Este texto é muito rico, e por si só traduz com poucas palavras tudo aquilo que todos nós gostaríamos de dizer, e, podem crer, especialmente aos meus filhos.

Boa reflexão


Decidi não retirar o texto seguinte, porque ele é um protesto.  Solitário, mas meu protesto á crueldade humana.

24 - 03 - 2000
KOSOVO
Mulheres de Kosovo dão à luz a bebês gerados em abuso sexual de sérvios

BONN. Um ano depois de iniciados os 78 dias de bombardeios da Otan em Kosovo, completado hoje, a vida de milhares de fugitivos está longe de voltar ao normal. Dos 900 mil kosovares albaneses que deixaram suas casas, 70 mil continuam longe delas. Sobretudo mulheres sofrem os traumas da guerra e da violência sexual praticada pelos sérvios. Isabela Stock, da organização Medica Mondiale, de Colônia, na Alemanha, conta que pelo menos cem bebês nascidos em Pristina e nas redondezas foram abandonados pelas mães por terem sido gerados em estupros.
A organização abriu um centro de terapia em Gjakove, Kosovo, onde trata 650 mulheres que são duplamente vítimas da guerra. Além de terem perdido casa, marido e de serem marcadas pela violência sexual, são punidas pelo puritanismo e patriarcalismo de suas famílias muçulmanas. Mamara, de 17 anos, vive no centro, acaba de ter um bebê e não tem para onde ir.
- Muitas mulheres se suicidam por não encontrarem uma saída para sua situação - diz Isabela, depois de voltar de uma viagem aos centros de terapia da Medica Mondiale.
      Com o marido, Iso, e a filha de 4 anos, Teuta fugiu de Pristina para a Alemanha pouco depois do inicio dos bombardeios da Otan. Há quatro meses teve mais uma menina, Rida, filha de um desconhecido sérvio, gerada em um dos estupros de que foi vítima nas três semanas que passou numa prisão sérvia. Os quatro vivem em Berlim, num quarto cedido pela Prefeitura, mas em breve serão obrigados a deixar a cidade. Com o fim da guerra, os fugitivos perderam o direito de ficar na Alemanha. A mulher que admite ter sido vítima de estupro é abandonada pelo marido e até pelos pais.

Fonte: O Globo

Não deixemos nosso foco espiritual centrar na questão do "aborto" ou do "abandono" mas no "estupro", uma das atitudes "humanas" mais cruéis que podem ser cometidas. É uma desgraça que, no limiar do século XXI, ainda existam "homens" que pensem e ajam desta forma.


Boa leitura e que Deus o abençoe. E se sentir vontade de dizer algo, envie sua opinião ou comentários. Creia.. eles serão bem-vindos.

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